Folha de São Paulo, terça-feira, 13 de
dezembro de 2011 TENDÊNCIAS/DEBATES
EM DEFESA
DA DEFENSORIA
por JOSÉ CARLOS DIAS
O projeto de lei do
deputado Campos Machado representa verdadeira investida contra a Defensoria,
despojando-a de primordial fonte de recursos
Tramita na Assembleia
Legislativa de São Paulo o projeto de lei complementar nº 65/2011, de autoria
do deputado Campos Machado, que, atendendo a pedido do presidente da seccional
paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, transfere a gestão do convênio de
assistência judiciária, hoje administrado pela Defensoria Pública, à Secretaria
de Estado da Justiça.
O convênio foi concebido
em 1984, durante o governo Montoro, como minha proposta, na qualidade de
secretário da Justiça. O serviço de assistência judiciária era prestado pela
Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ), integrada à Procuradoria-Geral do
Estado.
Por mais dedicados que
fossem seus integrantes, e efetivamente o eram, não dispunha a PAJ de um número
de procuradores que pudesse dar resposta à demanda.
Os juízes, principalmente
no interior do Estado, nomeavam advogados dativos. A situação criou clima de
insatisfação na categoria, que realizou greves, enquanto muitos magistrados
impunham indevidas multas aos defensores que se insurgiam contra tais nomeações.
A situação nos presídios
era de total abandono em termos de assistência legal, forçando o Estado a
contratar excepcionalmente advogados pela Fundação Estadual de Amparo ao
Trabalhador Preso.
A proposta do convênio foi
elaborada de forma a permitir que os que tinham acesso à Justiça colaborassem
com um percentual das custas devidas para garantir que as pessoas carentes
também fossem defendidas por profissionais remunerados. Os advogados não seriam
compelidos a fazer esmola de seu trabalho, nem os pobres a se submeterem à
humilhação de aceitá-la.
A iniciativa do
parlamentar também retira da Defensoria a gestão desses recursos.
Com o advento da
Constituição de 1988, o programa de redemocratização do país incluiu uma
posição clara no sentido de que a Defensoria Pública é a instituição que deve
prestar e coordenar a política de assistência jurídica aos necessitados.
A adoção do modelo público
partiu da premissa de que o Estado, que dispõe de um juiz para julgar e de um
promotor para acusar, deve também aparelhar a sociedade de meios para que a
defesa se faça por profissional concursado e com dedicação exclusiva. São
Paulo, em razão de forte resistência corporativista, foi um dos últimos Estados
em que a instituição foi criada e instalada.
Nos últimos cinco anos, a
Defensoria Pública deu seus primeiros passos, a sua atuação já confirmou o
acerto do constituinte e aponta para a necessidade de reforço de seus quadros,
que contam com apenas 500 profissionais.
A solução concebida há
mais de 25 anos como um mero paliativo acabou, lamentavelmente,
cristalizando-se, criando a falsa impressão de que caberia ao Estado perpetuar
um modelo de remuneração de advogados dativos, em vez de fortalecer uma
instituição pública apta a completar o tripé da Justiça.
A Defensoria Pública não
concorre com a OAB no atendimento aos reclamos jurídicos da população carente.
A parceria é salutar e pode ser mantida até que o Estado disponha do número
adequado de defensores. À Defensoria Pública deve caber a gestão de convênio
entre as entidades, como decorrência de sua atribuição constitucional.
Assim, o projeto de lei,
além de pecar pela inconstitucionalidade, representa verdadeira investida
contra a Defensoria e o interesse público, despojando-a de sua primordial fonte
de recursos e impedindo seu indispensável crescimento.
Celebro mais uma vez o
nome de Franco Montoro por ter sido um dos primeiros defensores públicos de São
Paulo e pelo estímulo para que se organizassem num serviço independente com
administração autônoma e com as mesmas características que juízes e promotores
apresentam na organização do Estado.
JOSÉ CARLOS DIAS, advogado
criminal, é conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
Foi
ministro da Justiça no governo FHC e secretário da Justiça no governo de André
Franco Montoro, em São Paulo.
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