Foto de Robert Capa, Chartres, França, no ano de 1944 |
A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Fundação CASA - da cidade de Ribeirão Preto andava raspando de forma indistinta e involuntária a cabeça dos adolescentes que lá eram internados, sob o pretexto de manter a ordem, a disciplina e a higiene no estabelecimento. Com esta atitude marcavam o adolescente física e psicologicamente, expondo sua condição à Sociedade, punindo-o além dos limites da lei e dos princípios democráticos de Direito. Diante de tal ato inadequado e discriminatório, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ingressou, em agosto de 2008, com uma Ação Civil Pública para impedir tal constrangimento e abuso de poder, conseguindo, de imediato, uma ordem liminar para que a Fundação suspendesse referida prática. Imediatamente a Fundação CASA alegou em sua defesa que nunca houve reclamação dos adolescentes ou de suas famílias! Ora, tratando-se de adolescentes que necessitam cuidados especiais, posto que em situação de risco social, provenientes de famílias geralmente desestruturadas, como esperar que possam eles ou seus familiares contrapor-se a atos de Poder do Estado que percorreu longa trajetória histórica de repressão ao “menor infrator” e cujos resquícios ainda resvalam nas novas instituições, apesar de todo o esforço de mudança dos últimos anos. A Administração Pública deve se pautar sempre dentro dos mais estritos limites da legalidade, especialmente na garantia aos direitos fundamentais da pessoa humana, e em especial dos adolescentes por sua condição peculiar, consolidadas nos Tratados e Convenções internacionais e na Constituição Federal, em total sintonia com o Estado Democrático de Direito instalado no Brasil desde 1988. Cabe, por outro lado, ao Judiciário exercer o controle da legalidade em qualquer momento em que as normas e os princípios constitucionais sejam violados ou ameaçados. Isto nos leva a concluir que todos os atos da Administração são vinculados a legalidade, não podendo o administrador utilizar-se do conceito de ato discricionário para justificar uma pretensa liberdade de atuação fora do âmbito de controle dos outros Poderes do Estado. Não há dúvida que a Fundação Casa poderá cuidar da saúde de seus adolescentes, da disciplina e da segurança destes e de seus funcionários, sem ferir os diretos fundamentais dos adolescentes, sem os colocar em situação humilhante ou indigna, tratando-os como seres humanos que são, sem afinal raspar-lhes os cabelos. Em resposta à Ação Civil Pública promovida pela Defensoria Pública Paulista, o Judiciário, neste ano de 2010, decidiu que a Fundação deverá abster-se da pratica abusiva, afirmando o juiz, em sua sentença, que a raspagem do cabelo “viola a integridade física, psíquica e moral dos adolescentes porque implica em fazê-los aceitar, mesmo contra sua vontade, a alteração de sua condição física e de sua imagem”. O cabelo é incontestavelmente parte física da personalidade humana, e historicamente contribui para a formação do status do indivíduo na sociedade. O cabelo toma a forma e a atitude de vários símbolos sociais e culturais e pode representar poder e respeito, tradição ou mudança e outros tantos sentimentos e movimentos antropológicos significativos. A quebra de parâmetros de normalidade da forma de usar os cabelos cria estigmas, preconceitos e indignidade que ferem a imagem física e repercute na esfera psicológica do indivíduo. O ato de raspar o cabelo não é um “singelo ato” que “não consiste em afronta a personalidade, e sim, garantia dos fins sociais de saúde, educação e ressocialização previstos nos Estaduto da Criança e do Adolescente” como alegou a Fundação CASA. O ato de raspar o cabelo dos adolescentes é tratamento desumano, violento, vexatório, aterrorizante e constrangedor, tudo o que é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme se verifica em seu artigo 18, citado nos fundamentos da sentença, que claramente enxergou a equivocada opção administrativa da Fundação Casa em adotar tal identidade visual aos adolescentes sob o pretexto de garantir sua saúde e facilitar a segurança e a disciplina. Algo parecido com isto poderia ser observado na história da humanidade quando os guetos de Varsóvia foram esvaziados e seus moradores levados para Treblinka, há 80 km de distância, para um “processo de profilaxia”; ao chegarem eram despidos e tinham seus cabelos raspados por seus próprios pares; “ninguém reclamava!”; depois eram encaminhados para o “banho”; morriam então asfixiados “na limpeza social” e seus cabelos viravam enchimento de travesseiros. O exagero aqui é proposital, mas é salutar para lembrarmos que coisas assim podem adquirir significados diversos dependendo do que se quer defender. Até mesmo o indefensável. Poderíamos também recorrer a história para lembrarmo-nos de outros episódios que envolver a raspagem do cabelo que têm significados de constrangimento e diminuição ou mesmo uma punição “velada” ou não oficial das pessoas. No final da Segunda Guerra Mundial, após a expulsão dos nazistas da França, os cidadãos franceses, tomados exclusivamente pela emoção, entoavam a Marselhesa e raspavam a cabeça de mulheres francesas acusadas de colaborarem com soldados alemães durante a ocupação inimiga; isso era motivo de vergonha e humilhação diante de todos; várias cenas vexatórias desta natureza foram fotografadas, destacando-se a cena eternizada pelo fotografo húngaro Robert Capa, em Chartres, no ano de 1944. Enfim, a raspagem do cabelo é medida contrária a lei e aos princípios constitucionais além de ser totalmente desnecessária, podendo a Fundação recorrer a outros métodos mais humanizados de cuidar da saúde de seus internos, bem como ordenar sua disciplina e a segurança daqueles e de seus funcionários. Manter-se tal método é garantir a manutenção de resquícios do autoritarismo que se pretendeu banir desde a extinção da antiga FEBEM e de todos os seus conceitos arcaicos e procedimentos reminiscentes da última era ditatorial no país. Cabelos raspados a força, nunca mais!
O autor, face à sua inteligência e postura social demonstra sensibilidade quanto às questãos relativas aos direitos humanos, desde tenra idade.
ResponderExcluirÉ um orgulho para seus pais e sua família Albernaz.
VicNea
isso é verdade,pois na minha infância quando algum menino raspava a cabeça éra sinônimo de cadeia e febem .
ResponderExcluirMeu pai estava viajando pelo Estado de Mato Grosso, então um tio mandou raspar a minha cabeça, porque seu filho, da minha idade, tinha os cabelos duros e os meus eram bons.
ResponderExcluirQuando meu pai chegou ele disse:Quem tiver coragem que raspe a cabeça do meu filho, o meu tio saiu de fininho.....(´Victor, pai)