Publicação da Revista Revide de 2 de abril de 2010.
Como um dos representantes da Defensoria Pública,
Victor Hugo Albernaz Júnior atua na garantia
dos direitos da população carente
Acesso à Justiça
Texto: Carla Minessi / Fotos: Julio Sian
O conflito entre a individualidade e o coletivo; a dicotomia entre buscar uma sociedade mais tolerante, menos racista, preconceituosa e discriminatória e, ao mesmo tempo, preservar-se dos sintomas sociais indesejáveis, reflexos de um mundo onde as diferenças se acentuam cada vez mais, com o aumento da miséria e, por conseqüência, da marginalidade e da criminalidade. Para o defensor público Victor Hugo Albernaz Júnior, essa equação social é o grande desafio a ser enfrentado na busca por uma sociedade harmônica.
Diante da lacuna deixada pelo Estado na garantia dos direitos humanos fundamentais, assegurado pela Constituição Federal e pela Declaração dos Direitos Humanos, o que resta são indivíduos assustados, que buscam soluções para seus dilemas individualmente. Como dar a esses esforços individuais de busca à harmonia um contorno social? Para o defensor público, a resposta está no debate, na responsabilidade cidadã e na solidariedade.
Apesar de ter nascido em Igarapava, o defensor público vive em Ribeirão Preto desde os dois anos de idade. Graduou-se em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade de Ribeirão Preto, em 1986, e tornou-se mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual Paulista em 1996. O interesse por idiomas estrangeiros, por temas como história, geografia, política e pela solução de conflitos o fez pensar na carreira diplomática. Entretanto, acabou pendendo à advocacia social, em parte por influência do pai, Victor Hugo Albernaz, que atuou na Procuradoria do Estado, órgão responsável, até 2006, pela assistência judiciária gratuita.
Por meio de concurso público ingressou na área da Assistência Judiciária Gratuita (PAJ), exerceu, posteriormente, os cargos de chefia da Seccional da Procuradoria de Ribeirão Preto e de assistente do procurador chefe regional, foi membro do Conselho da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da PGE/SP. Por fim, decidiu optar pela Defensoria Pública, escolha que lhe custou uma queda em seus rendimentos. “A busca por uma sociedade sem injustiças e sem exploração sempre me motivou. Devido ao fato de meu pai atuar na área jurídica, convivi com esse meio durante a infância e a adolescência, passando a me interessar pelo Direito enquanto instrumento de luta por um bem comum”, conta.
A Defensoria Pública atende a duas grandes áreas: a cível e de família, e a criminal. No âmbito criminal, o órgão atende a duas das cinco varas existentes em Ribeirão Preto. Cerca de 90% dos casos nessa área envolvem a assistência judiciária, ou seja, são de pessoas carentes que se envolveram em pequenos ou grandes delitos.
O órgão atua em processos e também oferece serviço de orientação jurídica. Na Comarca de Ribeirão Preto há, atualmente, 26 varas judiciais e 13 defensores. O município é sede de uma regional com 34 comarcas (cidades com fórum), que abrangem 60 cidades. Nas outras comarcas o atendimento é feito por meio do convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil. “Hoje, para atender a todo o Estado precisaríamos de, em média, 1.700 defensores públicos. Na nossa região necessitaríamos ter, pelo menos, um defensor para cada vara judiciária. A Constituição Federal garante o acesso à Justiça e vivemos em um país em que uma grande parcela da população é carente, mal consegue sobreviver”, explica o defensor público.
Garantir o acesso à Justiça implica, necessariamente, conscientizar a população de seus direitos. Para tanto, os defensores públicos desenvolvem projetos em escolas e ministram palestras sobre o tema. “O nosso projeto de Educação em Direito e Cidadania em Escolas ganhou um prêmio, no ano passado, da Ouvidoria da Defensoria Pública. Isso é uma motivação para a população ficar mais próxima, conhecer mais os seus direitos os seus deveres, saber evitar conflitos”, esclarece Victor Hugo.
O trabalho de levar à população noções de direito e de cidadania é imprescindível para possibilitar às pessoas a compreensão dos direitos humanos em toda a sua complexidade, para que, por meio de discussão e de atitudes comprometidas, seja possível criar uma sociedade mais harmônica. “Hoje é muito comum ouvir que direitos humanos são só para bandido, mas não podemos tratar essa questão dessa forma, pois eles compreendem tudo o que está na Constituição e o que está escrito na Declaração dos Direitos Humanos: direito à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, ao acesso à Justiça, a ter uma família. Questionar os direitos humanos proporcionados aos presos é só a ponta do iceberg. A sociedade tem que se ocupar de todas as facetas dos direitos humanos”, enfatiza.
Victor Hugo ressalta que a maioria das pessoas que estão na cadeia é pobre, foi marginalizada pela estrutura econômica social e passou da marginalização para a criminalidade. A função do Estado, por meio do sistema prisional, é reinserir essa pessoa na sociedade. No entanto, trata-se de um sistema problemático, que tem que ser re-estruturado em muitos aspectos. “O sistema prisional tem como finalidade moldar a pessoa que cometeu um delito, fazer com que ela se retrate, arrependa-se, pague pelo crime que cometeu na medida certa; é reeducá-la para que possa voltar ao convívio social e não é isso o que acontece”, argumenta.
Em função disso, o defensor público destaca a importância de a sociedade compreender o sistema prisional, sua função e gestão para que possa participar nas discussões e nas decisões políticas, da mesma forma como enfatiza o papel dos políticos na solução dos problemas do setor. “A sociedade deve conhecer os problemas e escolher projetos de governo que revertam em benefício da própria sociedade. É necessária a moralização da política — os governantes precisam ser mais sensíveis, mais humanos. Tem bastante político honesto e humano, mas há um grupo de pessoas que atrapalham esse processo e resolvem coisas de acordo com interesses particulares”, ressalta Victor Hugo. Se a sociedade não elege políticos conscientes para resolver os problemas de segurança pública, não cobra desses políticos, passa a tentar solucionar o problema por ela própria, mas não o faz da forma como deveria. Ela tenta resolver individualmente esses problemas: as pessoas mudam de cidade, mudam de prédio, mudam para um condomínio fechado. “Na medida em que eu não discuto a questão da saúde, da educação, do lazer, da moradia, deixo de entrar em um processo de desenvolvimento de melhoria desses pontos que vai influenciar na camada mais pobre da população, que, com a ausência dessa estrutura, vai para a marginalidade e busca na criminalidade esse apoio”, afirma Victor Hugo.
Segundo ele, a criminalidade é uma forma da pessoa reagir quando não tem consciência de como mudar o mundo em que vive. Da mesma forma que a atitude de uma pessoa que vai para um condomínio fechado para se proteger é individual, a atitude de quem assalta para ter um dinheiro para comprar o que necessita também o é. “São atitudes não pensadas no sentido estrutural que impedem a mudança na sociedade. Mas aquele que tem condições se protege no condomínio fechado, enquanto a pessoa que mora na favela não tem essa opção, às vezes a criminalidade é a única alternativa dela para buscar uma transformação. Enquanto as pessoas quiserem mudar a sociedade individualmente, as dicotomias e os contrastes vão acontecer”, enfatiza o defensor público.
Victor Hugo acrescenta que a valorização do indivíduo é essencial e que é preciso trabalhar o aspecto da organização coletiva. Não há como fechar os olhos para os interesses sociais se o que se pretende é viver em uma sociedade harmônica. “Ou então a pessoa mais pobre fica sujeita a buscar na criminalidade a revolução individual da sua vida e aquela pessoa que tem mais condições o faz se isolando do mundo”, argumenta.
É dessa forma que a sociedade se transforma em guetos e se isola, o que dá origem à discriminação. O defensor público conclui mostrando a contradição que existe na sociedade que abriga, por um lado, movimentos que visam acabar com o preconceito, com o racismo e com a discriminação e, por outro, a tomada de atitudes individuais que demonstram esses mesmos sintomas. “Esse é o grande problema: o que eu vou fazer dentro do contexto social para que a sociedade seja um lugar acolhedor, não somente a minha pequena célula de sobrevivência. Eu já tive a ilusão de que poderia mudar drasticamente o mundo. Hoje, penso que eu posso mudar o mundo, mas todos têm uma cota de participação, cada um tem que fazer a sua parte”, finaliza.
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